Fenobarbital (PB) foi descoberto na Alemanha em 1912, precisamente no dia de Santa Bárbara, inspiradora do seu nome. É a droga barbitúrica mais usada no mundo. No Brasil é comercializada com os nomes de “gardenal” e “edhanol”.
Em primeiro lugar, gostaria de lhes reafirmar uma convicção: barbitúricos são altamente eficientes para impedir a recorrência de ataques epiléticos diversos. Sinceramente, não vislumbro dentre as atuais drogas antiepiléticas (DAE), alguma com eficácia superior. Contudo, a performance de uma DAE não pode ser medida exclusivamente pela sua habilidade em anular epilepsia; assim, seus potenciais efeitos negativos nunca deveriam ser perdidos de vista pelo terapêuta responsável. Com relação a PB, demoramos excessivamente para reconhecer seu mais grave problema: é extremamente difícil encontrar um usuário crônico que não desenvolva barbiturismo, isto é, a combinação de sonolência (ou paradoxal hipercinesia) com transtornos cognitivo-comportamentais em grau variado. Como crianças e adolescentes são particularmente vulneráveis, é possível inferir o fantástico número delas que foram desgraçadas pelo uso abusivo de PB até recentemente entre nós. Muitos dos seus usuários, prisioneiros do próprio tratamento, foram transformados em pacientes psiquiátricos e encaminhados para “tratamento especializado” em deprimentes masmorras psiquiátricas espalhadas pelo país, onde profissionais incapazes de identificar a óbvia origem das suas dificuldades, não somente aumentavam a dose do “medicamento”, bem como prescreviam outras drogas, igualmente não inocentes, para o “tratamento” dos típicos efeitos barbitúricos, consagrando uma brutal iatrogenia. Além disso, depressão grave induzida pelo seu uso prolongado, é demasiado freqüente para ser ignorada, e, com toda certeza, foi responsável por muitos dos suicídios vistos na população sofredora de epilepsia. Por isso, deveríamos dar um basta definitivo na tragicomédia representada pela prescrição de medicação antidepressiva para o tratamento deste comum efeito colateral.
Para aqueles que tão obstinadamente defendem seu emprego indiscriminado, sugiro uma pausa para reflexão: será que os fabulosos escritores Dostoiévski e Machado de Assis teriam a mesma produção literária tomando PB diariamente? Imaginem o desastre que seria Júlio César ou Alexandre da Macedônia liderando campanhas militares, ingerindo PB todas as noites. O imperador romano então, caso conseguisse atingir Cairo, certamente desapontaria sua amada devido a impotência barbitúrica e muito provavelmente iria usar uma saída à inglesa...Cleo: I am british, no sex please! Ou, formulando a mesma questão de uma forma mais abrangente: cite algum grande personagem, de qualquer área do saber, sofredor de epilepsia como os quatro indivíduos mencionados e medicados por tempo prolongado com PB. Qual?
Muito provavelmente, a crença na eficácia monstruosa desta droga entre médicos, deve-se a sua ignorância da evolução natural da maioria das epilepsias: cura espontânea com o tempo. Assim, é melancólico atribuir a PB, ou aos seus próprios poderes, algo que aconteceria naturalmente.
Realço; neste princípio de século presenciamos PB sair de panacéia antiepilética para a de vilão; sobrando, todavia, indicações para sua utilização. Aliás, há urgente necessidade de um consenso para a definição de quando e como usá-lo; pois, em casos especiais, PB persiste sendo a única opção medicamentosa eficaz. Apesar disso, gostaria de lhes enfatizar mais uma vez... todos os indivíduos sofredores de epilepsia deveriam ter uma oportunidade de viverem sem os inconvenientes das drogas barbitúricas.
Atenção: como PB continua sendo exageradamente prescrito entre nós, é comum encontrarmos pessoas com transtornos cognitivo-comportamentais secundários ao seu emprego. Aliás, em nossa sociedade é lamentavelmente freqüente vermos crianças e adolescentes vítimas deste abuso terapêutico, tendo péssimo rendimento escolar e comportamental; muitas delas estarão exibindo o rótulo de deficiente mental, sem na verdade o serem; e, pior ainda, induzidos a delinqüência.
Autor: Dr. Prof. Paulo Cesar bittencourt Trevisol
UFSC
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